Após o fim do regime Imperial e a proclamação da República, em 1889, a idéia da transferência da capital para o interior ganhou força. Foi então que em junho de 1892, o então presidente da República, Floriano Peixoto, decidiu enviar do Rio de Janeiro à região do Planalto Central (aproximadamente 1.400 km de distância) a primeira missão exploratória da área, chefiada pelo engenheiro belga Luís Cruls. Esta Missão, denominada Missão Cruls, era composta de 21 pessoas entre cientistas, técnicos e militares, que, partindo do Rio de Janeiro, foi de trem até a cidade de Uberaba, no Estado de Minas Gerais (aproximadamente 917 km de distância). Dali seguiu a cavalo – com quase dez toneladas de bagagens e equipamentos – até as cidades de Pirenópolis, Santa Luzia (hoje Luziânia) e Formosa, em Goiás, percorrendo um total de aproximadamente 530 km a cavalo. Após imensa coleta de informações, medições, levantamentos, etc., foi definida uma área no Estado de Goiás, denominada o Retângulo Cruls, destinada à construção da nova capital. Posteriormente, em 1894, a missão retornou ao local com a incumbência de já instalar ali uma série de melhoramentos visando à fixação definitiva do local.
A construção de Brasília apresenta também um lado místico e religioso. Acredita-se que a escolha do local onde ela foi edificada tenha sido influenciada por um sonho de Dom Bosco, um sacerdote católico italiano, proclamado santo em 1934. Em um de seus vários sonhos ele vê, entre os paralelos 15 e 20 do hemisfério sul, um lugar de muita riqueza, próximo a um lago, onde surgirá a terra prometida. Esse lugar é atribuído por alguns intérpretes como sendo Brasília, motivo pelo qual São João Bosco é considerado um dos padroeiros da capital brasileira.
Entretanto, somente em 1956, na gestão do presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira, teve início a construção da nova capital, Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960. Nascido em Diamantina, Estado de Minas Gerais, em 12 de setembro de 1902, foi eleito deputado federal, prefeito da cidade de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais e presidente da República.
O projeto de Brasília foi resultado de um concurso nacional, que contou com a participação de 25 candidatos. O júri, ou comissão julgadora foi composto por arquitetos e urbanistas ingleses, franceses e americanos, além de administradores e outras personalidades da vida brasileira, sob a presidência do engenheiro Israel Pinheiro, então presidente da recém criada Companhia Urbanizadora de Nova Capital do País (NOVACAP). O vencedor do concurso foi o arquiteto e urbanista Lúcio Costa. Em seu Relatório, ele explica que “uma cidade deve ser concebida não como simples organismo capaz de preencher satisfatoriamente e sem esforço as funções vitais, próprias de uma cidade moderna qualquer, não apenas como urbis, mas como civitas, possuidora dos atributos inerentes a uma capital”. Em seguida, ele descreve assim como foi concebido o projeto: “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz; procurou-se depois a adaptação à topografia local, ao escoamento natural das águas, à melhor orientação, arqueando-se um dos eixos a fim de contê-lo no triângulo eqüilátero que define a área urbanizada”.
O projeto, denominado de Plano Piloto, apresenta uma forma de um imenso avião, sendo que no seu corpo, denominado Eixo Monumental, foram localizadas as áreas públicas, tais como os centros cívico e administrativo (Praça dos Três Poderes e Ministérios), o setor cultural, a catedral metropolitana, o centro de diversões, o centro esportivo, o setor administrativo municipal, os quartéis, as zonas destinadas à armazenagem, ao abastecimento e às pequenas indústrias locais, bem como a estação rodo-ferroviária, esta para a circulação de transportes coletivos interestaduais. Em suas asas, denominadas de Asas Norte e Sul (Eixo Rodoviário), foram localizadas as habitações coletivas, comércios locais e demais atividades inerentes às residências.
Na intercessão desses dois eixos principais foi localizada a Estação Rodoviária, destina a circulação de transportes coletivos locais. Junto à intercessão destes dois eixos foram localizadas as áreas relativas aos setores bancário, comercial, de escritórios e amplos setores de varejo comercial.
O projeto de Lúcio Costa teve como propósito incluir os princípios da técnica rodoviária, inclusive com a eliminação de cruzamentos.
Foi conferido ao eixo arqueado (Rodoviário), Asas Norte e Sul, correspondente às vias naturais de acesso, a função circulatória tronco com pista centrais de alta velocidade (Eixão), e pistas laterais para o tráfego mais lento de acesso às áreas residenciais (Eixinhos). Ao longo deste eixo foram localizadas as denominadas Super Quadras, formadas por edifícios de até seis pavimentos para habitações coletivas, circundadas por áreas para comércio local, lazer, religião e outras atividades.
Circundando toda a área sul-leste-norte do Plano Piloto, foi criado um imenso lago (Lago Paranoá), formado naturalmente com a construção de uma barragem na parte leste do Plano, que represou diversos pequenos córregos e rios da denominada bacia do rio Paranoá. Este lago, além de sua função estética, contribui enormemente para uma melhor qualidade do clima local, considerado muito seco, amenizando a temperatura ambiente, além de servir como importante área de lazer da população.
Em termos visuais, as áreas do Plano Piloto que mais se destacam são as dos edifícios públicos localizados ao longo do Eixo Monumental, com construções bem mais altas que as dos setores residenciais. Os edifícios do Congresso Nacional (Poder Legislativo) são os que mais se sobressaem no perfil da capital.
De acordo com a idéia original, o Plano Piloto deveria abrigar uma população aproximada de 500 mil habitantes. Contudo, ao longo de sua construção, com a vinda de um enorme contingente de operários provenientes de todas as partes do país, em maior número da Região Nordeste, verificou-se a necessidade de se construir novas áreas de habitação para abrigar essa população e suas famílias que, em sua maioria, optaram por permanecer na nova capital. Foram então criadas novas cidades próximas ao Plano Piloto, denominadas Cidades-Satélites, dentro do Distrito Federal. Hoje existem nada menos do que treze dessas cidades, que, somadas à população do Plano Piloto, perfazem um total de aproximadamente 3 milhões de habitantes.
Para projetar os edifícios públicos de Brasília, o presidente Juscelino Kubistchek convidou o arquiteto Oscar Niemeyer, que havia trabalhado para ele quando Juscelino foi prefeito de Belo Horizonte. Naquela ocasião, o já destacado arquiteto projetou naquela cidade o denominado conjunto da Pampulha, uma das obras que marcaram o início da arquitetura moderna brasileira.
Para executar a importante tarefa, o referido arquiteto trouxe da cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, em 1957, sua equipe técnica formada por auxiliares arquitetos, urbanistas e desenhistas. A equipe se instalou em dois barracões de madeira construídos na área onde hoje se situa o edifício-sede do Ministério da Justiça. Ele e sua equipe foram alojados em casas populares construídas às pressas numa quadra localizada na Avenida W3. Oscar Niemeyer, que tinha medo de viajar de avião, ia e vinha do Rio de Janeiro de carro, tempo que duravam dois dias inteiros. Foi numa destas viagens do Rio para Brasília, que eu ouvi falar no seu nome pela primeira vez, quando ele pernoitou na cidade de Patos de Minas, onde eu morava com minha família. Naquela época eu estava concluindo o curso ginasial, então com 16 anos de idade. A presença do famoso arquiteto despertou em mim o desejo de futuramente cursar arquitetura, e uma grande vontade de conhecê-lo pessoalmente. Assim, em janeiro de 1960, com apenas 17 anos, mudei-me para a nova capital, até então um imenso canteiro de obras, em busca de meus sonhos, onde trabalhei até minha aposentadoria em 1990.
Alguns meses depois de chegar a Brasília e ter a grande oportunidade de participar de sua inauguração, conheci o Dr. Oscar que, após ser apresentado por um de seus auxiliares, recebeu-me de braços abertos, oferecendo-me o cargo de aprendiz de desenho. Foi uma enorme satisfação e muita responsabilidade. E, após três meses de experiência, fui contratado na função de desenhista de sua equipe, cargo que ocupei por um longo período de 8 anos, quando então me formei como arquiteto pela Universidade de Brasília (Unb), recém criada com a participação do famoso arquiteto. Como arquiteto, ainda permaneci na equipe por um período de mais 2 anos. Esta experiência foi uma raríssima oportunidade e uma honra incalculável para o tímido menino do interior de Minas Gerais.
É interessante notar que poucas pessoas ouvem falar sobre o importantíssimo trabalho de Lúcio Costa, o idealizador da cidade, conferindo a Oscar Niemeyer todas as honras no planejamento e construção de nova capital. Talvez uma das razões do nome de Oscar Niemeyer ter-se sobressaído mais do que o de Lúcio Costa esteja no fato daquele ter vindo morar na capital deste o início de sua construção, enquanto Lúcio Costa permaneceu no Rio de Janeiro, vindo a Brasília pouquíssimas vezes. Outra explicação pode estar no fato de ser do arquiteto Oscar Niemeyer, a autoria de todos os projetos de arquitetura dos principais edifícios e palácios, que se tornaram monumentos mundialmente reconhecidos. São de sua autoria, dentre outros, os projetos do Congresso Nacional (sede do Poder Legislativo), Palácio do Planalto (sede do Poder Executivo), Palácio da Alvorada (residência oficial do presidente da República), Supremo Tribunal Federal (sede do Poder Judiciário), Palácio do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), e Palácio da Justiça.
Quando de uma de suas visitas a Brasília, em março de 1987, Lúcio Costa escreveu o seguinte sobre o que achou da cidade, numa visita à Estação Rodoviária: “Eu caí em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreenderam foi a rodoviária. Eu sempre repeti que essa plataforma rodoviária era o traço de união da metrópole, da capital, com as cidades-satélites improvisadas da periferia. É um ponto forçado, em que toda essa população que mora fora entra em contacto com a cidade. Então eu senti esse movimento, essa vida intensa dos verdadeiros brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a rodoviária. Ali é a casa deles, é o lugar onde eles se sentem à vontade. Eles protelam, até, a volta para a cidade-satélite e ficam ali, bebericando. Eu que fiquei surpreendido com a boa disposição daquelas caras saudáveis. É o centro de compras, então, fica funcionando até meia noite... Isto tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem tomou conta dele foras esses brasileiros verdadeiros que construíram a cidade e estão ali legitimamente. Só o Brasil... E eu fiquei orgulhoso disso, fiquei satisfeito. É isto. Eles estão com a razão, eu é que estava errado. Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma bastilha. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é uma flor de estufa como poderia ser, Brasília está funcionando e vai funcionar cada vez mais. Na verdade, o sonho foi menor do que a realidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu fiquei satisfeito, me senti orgulhoso de ter contribuído”.
A transferência da capital do Brasil do Rio de Janeiro para Brasília não foi uma tarefa fácil. Pelo contrário, foi dificílima, a começar pela reação de políticos influentes de oposição ao governo do presidente Juscelino Kubistchek. As críticas tiveram diversos motivos, que, dentre elas pode-se citar: primeiramente, acredito eu, a questão financeira, em razão dos enormes gastos que envolveriam a construção da nova cidade. Além disso, por uma questão até de comodidade, uma vez que a epopéia implicava em deixar o conforto da então capital do país, Rio de Janeiro, com suas belas praias, lazer e diversão, pelo desconhecido, pelo desconforto de se instalar num canteiro de obras sem ainda nenhuma qualidade de vida, infra-estrutura precária, aspirando poeira e barro do Planalto Central. Mas, apesar das reações ferrenhas dos críticos da ideia, prevaleceu o ímpeto desbravador e a coragem inabalável do presidente da República e seus apoiadores.
No início da construção de Brasília, havia no local demarcado apenas uma vegetação rala e rasteira denominada cerrado, com a existência de algumas fazendas de pecuária e nada mais. A pequena cidade mais próxima do local, no Estado de Goiás, Luziânia, distava em torno de 50 km. Goiânia, a capital do Estado de Goiás, ficava a 200 km de distância. O quadrilátero que formaria o novo Distrito Federal tomou emprestada uma parte das terras pertencentes aquele Estado. Não havia no local estradas e muito menos pistas de pouso mesmo para pequenas aeronaves. A paisagem lembrava um deserto! Foi necessária a implantação de uma pista de pouso provisória e a construção de um barraco de madeira para abrigar o presidente da República nas suas idas e vindas durante a execução das obras. Esta construção tomou o nome de Catetinho, em homenagem à residência presidencial no Rio de Janeiro, denominada de Palácio do Catete. O Catetinho existe até hoje, abrigando um pequeno museu com pertences do presidente Juscelino.
A transferência da capital para o interior do Brasil teve muitas vantagens em termos estratégicos, com vistas ao desenvolvimento do interior do país. Foram abertas várias estradas em áreas nunca antes acessíveis por automóveis, e criadas diversas cidades no interior de cada um dos Estados da Federação, desafogando as aglomerações caóticas das grandes metrópoles localizadas no litoral brasileiro. Além de outras várias vantagens, a interiorização do desenvolvimento trouxe para as terras do cerrado, antes inóspitas e improdutivas, com a utilização de novas técnicas desenvolvidas pelo governo federal, uma nova fronteira agrícola com o aumento da produtividade com relação às terras de outras regiões tradicionalmente de boa qualidade, transformando a região de Brasília e seu entorno, hoje, num dos maiores produtores de grãos do país.
Não menos importante é o fato da construção de Brasília ter sido realizada num tempo recorde, ou seja, em apenas três anos e meio, com todas as dificuldades existentes à época. Isto significa um exemplo de cidadania, de confiança e da capacidade técnica dos brasileiros. Motivo de orgulho para uma nação inteira.
A cidade de Brasília (Plano Piloto) foi o primeiro conjunto urbano do século XX a ser reconhecida pela Unesco, em 1987, como Patrimônio Mundial. A principal característica de Brasília é a monumentalidade, determinada por suas quatro escalas: monumental, residencial, bucólica e gregária e por sua arquitetura inovadora. O conjunto urbanístico de Brasília, construído em decorrência do Plano Piloto foi inscrito no Livro de Tombo Histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 14 de março de 1990. As obras resultantes dos projetos de Niemeyer se destacam sobretudo pela sua beleza, pela originalidade e leveza de suas formas, sendo admiradas dentro e fora do país. O conjunto arquitetônico de Brasília representa, sem dúvida alguma, um marco da arquitetura moderna brasileira, orgulho de todos os brasileiros.
Brasília, como em todas as cidades do Brasil, apesar de oferecer uma qualidade de vida talvez melhor do que outros grandes centros brasileiros, carece ainda de oferta de melhor qualidade dos serviços essenciais, tais como nas áreas de educação, segurança e saúde, sobretudo para a população das cidades satélites.
Registro, finalmente, a homenagem que o povo de Brasília fez ao seu ilustre idealizador e construtor máximo, o presidente Juscelino Kubistchek, com a criação do Memorial JK, museu onde se encontram os seus restos mortais e uma variedade enorme de seus pertences pessoais.
Concluindo, minha avaliação final sobre Brasília, apesar dos problemas existentes, é bastante positiva. Consiste numa experiência altamente válida e significativa, e me declaro um admirador e amante da capital de todos os brasileiros. Brasília é a materialização de uma aspiração histórica da nação brasileira.
Agosto de 2017.
Arquiteto Gervásio Cardoso de Oliveira Filho